quarta-feira, fevereiro 22

luis buñuel, meio século de cinema


O diretor espanhol Luis Buñuel nasceu no dia 22 de fevereiro de 1900. Hoje, 22 de fevereiro de 2012, estaria completando seus 112 anos, mas infelizmente nos deixou no dia 29 de julho de 1983, aos 83 anos, quando já faria 7 anos sem dirigir filmes, sendo seu útilmo, Esse Obscuro Objeto do Desejo (Cet obscur objet du désir, França/Espanha).

Buñuel parou depois de ter filmado Esse Obscuro Objeto do Desejo, em 1977. Estava ficando surdo, e a saúde chegava apenas a piorar. Desde tempos fora sempre um grande alcoólatra e fumante, e mesmo apesar de resistir bastante, acabou sofrendo de diabetes e de cancro no fígado.

Em novembro de 1982, Salvador Dalí, grande admirante de Buñuel, escreveu aspirando sobre um tal demônio filosófico que estaria a querer fazer um filme sobre. Dalí escrevera:

"Querido Buñuel: de dez em dez anos envio-te uma carta com a qual não estás de acordo, mas eu insisto. Esta noite concebi um filme que podemos fazer em dez dias, não a propósito do demónio filosófico, mas do nosso diabolinho. Se te apetecer, vem ver-me ao castelo de Púbol.
Um abraço!
Dalí"

"O Cão Andaluz", de 1928

O primeiro filme de Luis Buñuel foi O Cão Andaluz (Un chien andalou, França, 1928), um filme completamente surrealista, que já apresentava as primeiras teses sobre o mundo do diretor, sem contar nas suas técnicas, que influenciaram seus próximos filmes. Como todo digno diretor de arte que desde o começo tem filmes de arte, Buñuel já se consagrara com esse filme mudo, pois O Cão Andaluz é muitas vezes dito como mais importante do cinema experimental surrealista, e isso é claro no filme, pois Buñuel abusa de uma visão extensa sobre o ideal que está acima do ser humano.

O filme possui uma história de ordem totalmente contrária a que se costumava ver, ele age como uma fábula e logo volta à um drama mais sério. Inspirado em conceitos da psicanálise de Freud, Buñuel utilizava-se do inconsciente dos personagens, muitas vezes até fantasiosos.

O Cão Andaluz é um conjunto de imagens oníricas, engajadas num vídeo como se fossem um pesadelo, repleto de metáforas. A primeira cena mostra uma mulher que tem seu olho cortado com uma navalha por um homem. Esse é o próprio Buñuel. Logo depois, aparecem formigas saindo da mão dele, uma possível alusão literária à expressão francesa fourmis dans les paumes (formigas nas mãos) que significa "um grande desejo de matar".

"A Idade do Ouro", de 1930

Logo depois de O Cão Andaluz, em 1930, Buñuel faria o que é considerado um de seus filmes mais polêmicos, A Idade do Ouro (L'âge d'or, França), que conta a história de um amor jamais concretizado. Com uma realidade demasiada ousada para a sociedade leiga, o filme acabou sendo recebido por muitos como sem caráter. Uma cena das muitas que foram criticadas, é a última, em que o Duque de Blangis é mostrado saindo de uma orgia em seu castelo.

Vale ressaltar, claro, que a influencia do surrealismo nos filmes de Buñuel não é derivada apenas de ideologias próprias suas, mas sim, do pintor Salvador Dalí, que co-dirigiu seus dois primeiros filmes, citados anteriormente.

"O Discreto Charme da Burguesia", de 1972

Mais tarde, Buñuel faria o filme que, ao meu ver, são dois de seus melhores, O Discreto Charme da Burguesia (Le Charme Discret de la Bourgeoisie, França, 1972) e A Bela da Tarde (Belle de jour, França, 1967). O primeiro é de um implícito realismo, típico da frança do século XIX, onde se analisa o convivio entre as pessoas da classe média e alta da sociedade francesa. O segundo, feito antes, é outro filme sobre burguesia, que nesse caso, retrata uma mulher, em especial, que trabalha em um bordel, Sevérine, interpretada pela linda Catherine Deneuve, que hoje tem 68 anos. 

"O Fantasma da Liberdade", de 1974

Viridiana (França) e O Fantasma da Liberdade (Le Fantôme de la Liberté, França) também são ótimos filmes de Buñuel, feitos por volta do fim de sua carreira, em 1961 e 1974, respectivamente. O Fantasma da Liberdade segue uma cronologia parecida com a de A Idade do Ouro, sendo dividido em 14 capítulos e tendo amantes como personagens que conduzem a trama. Mas no caso de O Fantasma da Liberdade, Buñuel divide cada capítulo para um persongem diferente, que seguem essa cronologia.

"Viridiana", de 1961

Viridiana segue a velha cronologia, mas não cansativa, de Buñuel e seu platonismo às claras, com a atriz Silvia Pinal interpretando Viridiana que vai visitar o tio de sua madre superior Don Jaime, que por vez, tenta seduzir a jovem moça. O filme foi acusado de blasfemia e indecência pelo Papa João Paulo XXIII, e banido na Espanha pelo ditador Francisco Franco. Em 1977, dois anos após a morte de Franco, o filme fora liberado para ser exibido no país.

Luis Buñuel é mais um diretor que está no coração dos cinéfilos desde seu nascimento, como é o caso de François Truffaut, em que dia desses foi comteplado com homenagens de seus 80 anos desde o nascimento. O estilo de cinema de Buñuel ficou pra história, o modo rápido, sutil e objetivo com que ele filmava as cenas era impressionante, o que nenhum diretor conseguiu fazer de forma tão clara quanto ele. Ao meu ver, o maior diretor espanhol de todos os tempos, apesar de ter trabalhado demasiado na França.

segunda-feira, fevereiro 20

o ódio, de mathieu kassovitz - a vida no subúrbio da paris de 90


O Ódio (La haine, França, 1995) é um famoso filme francês da década de 1990, dirigido por Mathieu Kassovitz. É um drama que relata a vida de jovens no subúrbio da grande cidade luz. O tema de fundo do filme é a violenta repressão do governo sob os moradores dessa área. O filme foi feito em memória de todos que faleceram antes dele por causa dessa brutalidade. A ideia do diretor estreante Kassovitz, com apenas 29 anos, acabou repercutindo no mundo inteiro, e serviu como um filme denúncia que relatava a situação governamental na cidade. Então, ele acabou ficando conhecido no mundo inteiro e influenciando até grandes "filmes revoltas", como o próprio brasileiro O Que é Isso, Companheiro ? (Brasil, 1997), de Bruno Barreto, que apesar de apresentar uma temática e narrativa diferente, além uma história mais efetiva, apresentam a mesma tese do filme de Kassovitz.

Sendo exibidos em mais de 20 países do mundo inteiro, incluindo toda a europa, parte da américa e até o oriente médio, O Ódio deixou uma marca na cabeça das pessoas, fazendo muitos refletirem sobre o tema tratado. Ele não estreou nos cinemas brasileiros, mas o filme rodou por aqui no formato VHS. Muitos professores de Geografia e História passam o filme para seus alunos, com o intuito de informá-los a forma com que uma população repreendida se urbaniza, mesmo de forma desigual. Hoje, ele já foi até convertido à qualidade blu-ray pela The Criterion Collection.

Mathieu Kassovitz na direção de seu segundo filme O Ódio.

O elenco é estreante no cinema, formado por, Vincent Cassel, Hubert Koundé e Saïd Taghmaoui. Vincent Cassel, hoje famoso, faz o papel de um judeu; Hubert Koundé faz o papel de Hubert, um imigrante africano que gosta de boxe; Saïd Taghmaoui é Saïd, um imigrante árabe. O Ódio é um tipo de cinema inovador, que muitos chamam de cinema-verde, por ser um filme de finalidade documental, que tem uma história fictícia de personagens com o mesmo nome dos próprios atores. Ou seja, o diretor Kassovitz tentou aproximar o máximo esses três rapazes que atuam como se fossem eles mesmos. Kassovitz fez o roteiro inspirado em um jovem amigo seu - morto em uma custódia pela polícia -, por isso o título do filme. Como ele mantinha bastante contato com Cassel, Saïd e Hubert, acabou criando personagens que combinassem com o estilo deles mesmos, para que o filme parecesse mais real.

O filme narra 24 horas da vida desses três jovens no meio do perigo entre a periferia e a polícia. Vinz, o judeu, é o mais apressado e menos inteligente dos três, pois pensa pouco antes de decidir algo. O árabe Saïd é o mais calmo, mas também o mais desesperado com o que o futuro possa trazer. Hubert, o negro, é o mais maduro, que contém a sua raiva através do boxe. Os três passaram a noite toda em conflito com a polícia, depois que Abdel Ichah, um árabe de 16 anos e amigo deles, fica em coma após ser espancado durante um interrogatório. É mais um caso de abuso de poder, mais um motivo para o ódio.

Vinz, Saïd e Hubert.

A história é tão bem contada e real, que ficamos pensando: "isso pode acontecer com qualquer um e à qualquer hora". Ela, provavelmente tem o intuito de mostrar que os jovens de hoje usam droga por conta da polícia. Bom, é um argumento um pouco absurdo e sem fundamentos, mas pode-se dizer que tem um propósito, mesmo que seja ou não anarquista: acabar com a desigualdade social. Poucas vezes paramos para pensar qual a principal fonte-causa da desigualdade social. Entre muitas delas, está a polícia, que deveria ser usada de outra forma ao invés de contra o povo e contra os ladrões, por assim dizerem. Quandos analisamos, vemos que o único que está se beneficiando é o governo, e é assim em muitos países que a polícia é usada: para mostrar que todo país republicano, democrático ou ditatorial não possuem tantas diferenças, pois todos partem de um mesmo princípio, em direção à corrupção. E essa é uma das principais causas que dividem às comunidades, levando ao mal distribuimento de renda entre as populações, tornando mais que utópico o comunismo e até a democracia. O que deixa muitos revoltados, como os personagens do filme.


O mais interessante, que deixa o filme mais real, é a influencia dos Estados Unidos, o capitalismo, no mundo inteiro. Por exemplo, quando Vinz encontra uma arma ao chão, de um policial, ele se faz de malandrão, imitando o personagem Travis Bickle, de Taxi Driver (EUA, 1976), de Martin Scorsese. Isso para o diretor Kassovitz pode ter sido usado como uma sátira, mas creio que não, na vida de Travis, muita coisa espantava de tão chocante, pode sim, ter sido uma referencia à um filme que influenciou esse.

Confira uma técnica usada pelo diretor para junção de duas cenas de Vinz se olhando de um lado e do outro do espelho para ocultar a câmera:


A situação na época, na cidade de Paris, era pior do que qualquer uma, como a própria favela no Brasil ou os conflitos no Oriente Médio, pois lá, na periferia, estavam muitos imigrantes que viviam sozinhos, esperando para ser torturado. E o diretor conseguiu mostrar isso, tendo por ápice a descuidada cena final.

Algumas cenas do filme chegam a ser superficiais por conta da droga na mente dos personagens, como no momento que Vinz vê uma vaca andando numa estrada, ou quando Hubert conversa com uma garota morena que diz lembrar dele, mas na realidade não aconteceu, seria uma referência ao primeiro filme de Kassovitz, Métisse (França, 1993). Outra referência seria ao personagem Asteríx, que também é superficial, servindo apenas como metáfora para a vida desses três personagens.

"I know who I am and where I came from."

O Ódio também tem por fundamento, mostrar de onde vem a palavra. Por exemplo, quando um amigo deles, o já citado Abdel Ichaha, foi brutalizado pela polícia pouco antes do motim e está em coma, Vinz prometia, mentalmente, que mataria o policial com a Magnum .44 que encontrou, caso seu amigo não sobrevivesse. E quando ele ouve sobre a morte de Abdel, fantasia a vingança em sua mente. Isso é um tanto inteligente e inovador, principalmente para o próprio filme que fala sobre o ódio. Quem nunca fantasiou o gosto do ódio ou da vingança não é ser humano, pois nesse mundo, nascemos para ser de tudo um pouco.

Inspirado no filme francês, foi criado um site espanhol que tem por intuito ajudar na luta dos jovens pelos direitos humanos, contra qualquer tipo de sistema repressor. O site é atualizado constantemente, e engloba tudo que está havendo nos países do mundo inteiro. Realmente, o filme fez efeito em muitos, e é até considerado como um dos mais importantes de todos os tempos, claramente merecido.

cidadão kane, de orson welles - inovação e revolução

"Cidadão Kane" (Citizen Kane, EUA, 1941), de Orson Welles.

O poder da mídia:
Afinal, o que seria do mundo, da sociedade, da mídia e do cinema sem o filme Cidadão Kane? Essa é a pergunta que fazemos ao conferirmos essa obra chocante de tão revolucionária. Cidadão Kane (Citizen Kane, EUA, 1941) foi uma iniciativa do jovem radialista Orson Welles em parceria com a companhia RKO Radio Pictures. Orson Welles mostrou com esse filme o poder absoluto que a mídia exerce sobre uma comunidade por si só.  O resultado na visão do público e da crítica também foi revolucionário, pois alguns já chegavam a afirmar que o filme já poderia ser considerado o melhor, ou pelo menos, um dos melhores de todos os tempos. Se bem que o cinema tinha menos de 50 anos na época e estava em ascensão para o mundo. Mesmo assim, toda essa crítica fez com que o filme ficasse reconhecido adiante.

Famoso símbolo da RKO Radio Picture, que produziu vários clássicos.

O poder de Cidadão Kane não está apenas no que ele mostrou, como na estética inovadora, mas sim, na repercussão que ele fez sobre o ouvido das pessoas. Muitos hoje podem não entender, mas era claro e evidente para quem o vira na época. Orson Welles já sabia de tudo, ele então decidiu refletir um pouco e iniciar um projeto que mostrasse muitas das mentiras contadas pela mídia. Enfim, apenas por isso, já pode ser considerado um filme corajoso, mas certamente, com certeza o cinema já vinha em uma onda para esse caminho. Welles então, decidiu apressar logo, e acabou indo além do que ele mesmo imaginava.

Welles e sua mensagem.

Tristemente, até hoje muitas vezes vemos vários sistemas de imprensas manipulando tendenciosamente certas notícias e argumentos, às vezes até como forma de repressão. Um país que vive momentos como esse é a China, ou República Popular da China. O Partido Comunista Chinês (PCC) tem tido pouco sucesso em controlar a entrada e saída de informações, pois todo sistema forte de controle de mídia sempre enfrenta dificuldade em todos os aspectos, desde a economia até a educação no país. Mesmo assim, a China possui uma cidadania que está cada vez mais educada, e mudanças culturais estão a tornando mais aberta. Agora, é possível mesmo parar com essa manipulação da mídia? O sistema chinês não é o único, mas é o mais forte, e por ser manipulado pelo Partido Comunista Chinês, o torna mais que utópico, não tendo nada de comunista nele, mas sim, capitalista como muitos e ditatorial pela repressão. Certamente, se Cidadão Kane tivesse sido produzido em  países repressores como esses, na época, não teria chegado aos ouvidos de ninguém, e Welles aproveitou o momento, já que não estava nessa situação.

Cidadão Kane é evidentemente baseado na vida do famoso jornalista William Randolph Hearst, e conta a história de Charles Foster Kane, um menino pobre que acaba se tornando um dos homens mais ricos do mundo. A premissa é bem simples, a finalidade é bem subjetivista por parte de Welles, mas uma coisa é certa, atracou e muito os que conheciam o jornalista Hearst, que acusavam ser baseado em sua vida. Ele, uma vez, teria dito que Hearst nasceu rico com uma mãe cuidadosa, o que é totalmente ao contrário no caso de Kane. Caso Welles confirmasse, seria o caos, ele então, acabou discordando, mas até hoje, a dúvida permanece em relação ao real propósito de Welles.

Iluminação fortíssima, característica de Welles fruto do expressionismo.

Inovação cinematográfica injustiçada no Oscar:
A peça sagaz fora indicada à 9 estatuetas na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, merecia levar todas, ou praticamente as que mais lhe cabiam sobre forma de uma obra inovadora. A trilha e o som eram de Bernard Herrman, o grande compositor de Alfred Hitchcock, que iniciou a carreira com o filme de Welles. Robert Wise ficou com a montagem, que certamente o influenciou em vários filmes seus. Esses também foram indicados por Melhor Edição de Som, Melhor Trilha Sonora e Melhor Montagem, mas apenas a de Melhor Roteiro Original fora a premiada.

O roteiro assinado por Herman J. Mankiewicz e pelo próprio Orson Welles fora uma das principais inovações por conta de ser uma história complexa que visualmente é simples. Era uma ‘biografia fictícia’, certamente uma metáfora, mas que realmente surpreendeu muitos pela forma como foi narrada. O filme em si conta uma história que relembra outra com uma finalidade simples, saber o significado de uma palavra citada pelo personagem Charles Foster Kane, “Rosebud”. Isso meio que soa de forma satírica, mas realmente era esse o plano do diretor. Em busca de saber o significado da palavra, uma imprensa busca por relatos sobre a vida de Kane apenas com o objetivo de saber seu significado para que seja publicado no jornal, e chame a atenção dos leitores. Nessa busca, Herman e Welles roteirizaram uma narrativa de uma forma cronológica diferente jamais vista na história do cinema, que hoje já é comum, mas não tão bem feita quanto essa.

Charles Foster Kane (Orson Welles) discursando como candidato à governador.

Welles trouxe para o público um conhecimento diferente acerca da edição de som e montagem de cenas, saindo de um fluxo constante do cinema, e tornando isso um processo mais criativo. Essa diferença de Cidadão Kane pode ser vista em vários pontos do filme, como na lentidão das fusões fade-in e fade-out; ocasionando uma mistura de elementos de duas imagens. A repetição de cenas a partir de pontos de vista diferentes.  O brusco aumento do som em momentos de grande significação. A forte fotografia posicionada em canteiros expostos do cenário; dando mais atenção ao personagem que a lhe necessita.

Mesmo com toda essa influência nos filmes seguintes, muitos diretores ofuscavam as características de Welles em seus filmes. É possível ver o clássico naturalismo cinematográfico em movimentos europeus como Nouvelle Vague e o Neo-Realismo; movimentos que não se misturavam ao estilo Cidadão Kane, que mesmo possuindo um estilo próprio, engajavam a mesma base de montagem dos filmes anteriores a Cidadão Kane, mas isso não significa que sejam ruins, pois são claramente diferentes, assim como inovadores, marcando história no cinema.

A ambição de Kane pela arte tornou-se outra coisa.

domingo, fevereiro 19

a invenção de hugo cabret, de martin scorsese - mèliés e o nascimento da sétima arte

Era dia 17 de Fevereiro, numa sala de cinema em 3D. Na sala, todos estavam pensativos, tentando saber se o filme realmente seria bom, dividiria opiniões, ou pelo menos, se alguns pessimistas não gostariam. No entanto, ninguém imaginava que seria uma das melhores experiências cinematográficas que já tiveram.

Isabelle (Chloe Moretz), que nunca assistiu um filme, ao lado de Hugo (Asa Butterfield).

A Invenção de Hugo Cabret (Hugo, EUA, 2011) é dirigido por Martin Scorsese, pela primeira vez, depois de 12 anos, sem DiCaprio no elenco. Ele mostrou o que todos já sabiam, que o ator não influenciava tanto em seus filmes, e fez, com certeza, uma das obras mais importantes da história do cinema. O diretor resgatou o estilo usado pelas animações clássicas, e fez um filme em 3D quase que animado de uma estética fortíssima.

O filme é uma adaptação da obra literária The Invention of Hugo Cabret, de Brian Selznick, que conta a história do jovem Hugo Cabret em busca de uma resposta sobre o falecimento de seu pai, que acabou o embarcando em uma aventura que reconstruiria a vida do criador do mundo do cinema.

O Inspetor da Estação (Sacha Baron Cohen) e seu cachorro.

A Invenção de Hugo Cabret pode não ser tão bom para alguns, mas para quem ama a sétima arte como eu - que passava o tempo lendo sobre o nascimento dessa, principalmente sobre o pai, Mèliés -, pode-se dizer que foi até nostálgico, viver em um tempo que você sonhava conhecer como realmente era. Foi isso que Scorsese fez com o espectador que ama tal arte sentir, foi um sentimento único, jamais transmitido na história do cinema. O diretor teve a oportunidade de contar a história jamais revelada. Ele deu valor ao que ninguém tinha dado tanto cinematograficamente.

É claro que, incomparavelmente, essa última obra de Scorsese, filmada no formato 3D, pode ser dita como a melhor obra já feita nesse formato. Com certeza, James Cameron tinha, incontestavelmente, dado uma grande experiência ao público com seu ótimo filme Avatar (Avatar, EUA, 2009), um filme odiado e aclamado por muitos, mas no caso de A Invenção de Hugo Cabret, Scorsese fez a obra em 3D que dificilmente será superada. Foi uma experiência única; uma obra de outro patamar, que não se pode, sequer, ser comparada a nenhuma outra, pois foi com esse filme, que se descobriu o fruto de tudo; o fruto de nossos sonhos.

Hugo no grande relógio da cidade, onde dá corda neles para atualizar os cidadãos.

O filme é de uma mágica incontestável. Martin Scorsese mostra ser um dos maiores diretores do cinema dirigindo uma história infantil magnífica que possui uma narrativa extremamente bem feita. A transformação que o personagem de Brian Selznick, Hugo, submeteu ao público da época é tão poderosa quanto a que Scorsese deu ao seu público, hoje. E a relação de consolo que Hugo criou entre ele e Mèliés só poderia ser bem narrada por Scorsese. A direção de Scorsese merece apenas aplausos, já que ele é, sem dúvidas, um dos poucos diretores americanos que mostram sua imaginação através de imagens, sem aquelas direções grosseiras e desequilibradas que muito vemos hoje. A sua direção é tão bem feita, que ele consegue fazer com seu elenco o que animadores fazem nos desenhos.

Martin Scorsese dirigindo Ben Kingsley, que interpreta George Mèliés.

Assim como David Fincher, Martin Scorsese trabalhou com a mesma equipe que sempre trabalhara desde filmes como Os Bons Companheiros (Goodfellas, EUA, 1990). Thelma Schoonmaker foi a responsável pela edição do filme que ficou simplesmente fantástica como em muitos filmes de Scorsese. Mas essa, certamente, foi uma de suas melhores, pois com o cenário enorme de Francesca Lo Schiavo, a grande fotografia de Robert Richardson, uma ótima equipe de Direção de Arte, e a trilha de Howard Shore, compositor da fantástica trilogia do Senhor dos Anéis, de Peter Jackson, o que não faltou foram imagens e cenas ricas para recolocação. Esse foi o 3D mais importante do cinema, e me orgulho em saber que essa mágica inteiramente reformulada, custou 170 milhões de dólares.

Ben Kingsley como George Mèliés (1864-1938), e o próprio à direita.

Ben Kingsley pode não ter chamado tanta atenção com sua atuação, mas é fato que ele realmente estava inspirado interpretando o famoso diretor. Ele interpretou muito bem seu personagem George Mèliés, e muitos, como Manoel de Oliveira - diretor português que viveu na época e pôde ver o filme -, podem lembrar desse ícone que marcou a história dando início ao cinema. Kingsley teve de interpretar o personagem de uma forma meio que bipolar, pois a mudança do real George Mèliés demorou bastante. Mas no caso do filme, teve de ser feita de forma rápida, e como sempre, o ator deu o seu melhor. Como parte da dramatização de que todas as pessoas, apesar de algumas parecerem maldosas, têm no fundo um bom coração. E quem nos mostrou que isso era verdade foi ele, Mèliés, inventando a sétima arte.

George Mèliés, o pai do cinema:
Em 1895, no Le Grand Caffé, em Paris, França, os irmãos August e Louis Lumière faziam a primeira exibição cinematográfica em público, com a sua invenção: o cinematógrafo. As primeiras exibições do cinematógrafo foram de câmera parada, ou seja, ela era apoiada em uma mesa e apenas focava a cena a partir de um ponto, sem ser movida de forma gradual. No Café, fora exibido várias filmagens feitas com o cinematógrafo, uma delas, em especial, mecheu com a cabeça de muitas pessoas: fora a vinda de um trêm em direção à tela, que fez com que todos se assustassem por não conhecer o poder dessas imagems. Aliás, ninguém imaginava que essa exibição seria a fonte de nossos sonhos, onde podíamos vivê-los por um momento longe da sociedade hipócrita.

No Café, estava o mágico George Mèliés, um homem feliz da vida que adorava o que fazia. Mèliés, no final da exibição, perguntou aos irmãos, criadores da misteriosa máquina, se eles podiam lhe emprestar um para usar como instrumento de entretenimento para o público. Os irmãos Lumière responderam que o cinematógrafo era um projeto mais voltado ao cientificismo, que tinha por objetivo gravar formas histórico-documentais. Mas eles estavam errados. Mèliés mostrou o porquê começando a filmar histórinhas curtas, com sua inteligência, baseadas em contos clássicos. Com isso, ele foi fazendo sucesso. Filmou mais de 500 películas, e em 1913, já com aproximadamente 553 títulos, decidiu parar de fazer a arte, que já estava por ser dominada pelo capitalismo.

Quando as peças de Mèliés do Museu foram doadas à um bom lar que cuidasse delas, o pai do jovem garoto Hugo Cabret teria conseguido algumas invenções do mestre, que, nessa época, trabalhava em uma loja de conserto. O pai do garoto teria conseguido um Autômato, uma espécie maquineísta de rôbo criada por Mèliés. O pai da sétima arte usava ele para gravar suas imaginações artísticas.

Isabelle, filha de George Mèliés, que ajuda Hugo em sua busca.

Depois da morte de seu pai, por volta de 1930, a única coisa que sobrou para Hugo fora o autômato. Hugo, então irá em busca do que acha ser uma mensagem de seu pai, a partir dessa máquina, jamais consertada depois de quebrada. E em uma aventura nostálgica para quem ama e entrega parte da vida a arte, o diretor Scorsese narra, ao estilo de fábulas e contos, a aventura vivida por esse jovem garoto. Uma aventura que mostra o importante valor do cinema no mundo em que vivemos. Certamente, muitos podem, ou melhor, podiam não saber, antes de ver esse filme. Mas é certo que a sociedade necessita da sétima arte, e a mesma precisa da sociedade para entrar em harmonia.